quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

SGC, A Cidade mais Indígena do Brasil


23 a27 de Janeiro



Isso é que é preguiça! Cinco dias em uma só postagem...
Descansamos. E muito! Sabem como é, cidade do interior, fim de semana... Lemos, escrevemos, ficamos de banda.
Mas também realizamos algumas atividades.
Tem chovido muito durante a noite, o som forte parece até uma cachoeira, amanhece nublado e a temperatura está mais amena. Dizem que estão começando as chuvas na região e que nunca haviam visto uma seca tão grande. Isso tudo dá um grande prejuízo por aqui. Toda a população depende do rio como meio de transporte. Se tem seca, os preços sobem e chega a faltar alimentos e outros itens pois os barcos mais carregados acabam por não conseguir passar.
Aqui, dizem, é o fim do mundo. É isolado, ainda mais na seca. A internet não é muito rápida, isso quando não cai. Alguns telefones públicos deixam de funcionar de uma hora pra outra, depois volta. Jornal, só de uma semana atrás. Sobra a TV (a globo pega tri bem) e a radio. Imagine isso tudo há uns cinco anos atrás...
Agora imaginem como estamos nos sentindo...
Na cidade, o principal meio de transporte urbano por aqui é o pé. Caminha-se para tudo, pois tudo é relativamente perto – pra nós que estamos de férias, quem está trabalhando e depende de horário, neste calorão danado em pleno “inverno”, as coisas não devem ser tão próximas assim.













Outro meio de transporte muito utilizado é a moto, tem de tudo um pouco, até lambreta. Tem, é claro, o carro, mas principalmente a camionete. O pessoal daqui gosta muito de andar sentado nas laterais da caçamba quando está aberta. Tem o taxi lotação, ônibus para trabalhadores. E é claro, canoa, rabeta (canoa motorizada), bongo (rabeta com telhadinho), lancha, barco, balsa e tudo mais que anda na água – é muito nome de barco...
Cachoeira aqui são horizontais. Na verdade são corredeiras no meio do rio. A água passa, com força, entre as grandes pedras, tornando o rio muito perigoso para quem não conhece. Agora, na seca, as cachoeiras são bonitas, quem dirá no período da cheia.
Em SGC encontram-se vários morros. Subimos em dois: o da Fortaleza e o da Esperança.
O Morro da Fortaleza, formado por um único bloco de rocha, recebeu este nome porque lá havia um forte para proteger a região. Depois foi abandonado e, o que dele sobrou, os padres se encarregaram de levar pedra por pedra para formar os alicerces da catedral da cidade. Ou seja, não sobrou nenhum vestígio do forte.








O Morro da Esperança fica próximo ao cemitério e lá está a antena de TV. Na trilha encontramos altares da Via Sacra e, no cume do morro, além da antena, um altar.







Tanto num como noutro a vista é muito bonita. Nos dois é possível avistar partes da cidade, o Rio Negro e, no da Fortaleza, um pequeno porto.
Visitamos também a sede da FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Conversamos com Edwaldo, um dos diretores. É uma diretoria colegiada, são cinco diretores eleitos, cada um representando uma das regiões que compõe a federação. A FOIRN conta com alguns departamentos. Conhecemos o da Juventude, das Mulheres, da Comunicação, da Formação e da Educação.


O pessoal parece ser bem combativo aqui. Todos são indígenas, defendendo os interesses indígenas. Já houve a destituição de um dos diretores em outra ocasião pois ele se aproximou demais dos interesses da FUNAI, que não são necessariamente os interesses dos indígenas.
A Fundação foi criada em 1987 e compõe-se de 70 organizações de base, que representam as comunidades indígenas distribuídas ao longo dos principais rios formadores da Bacia do Rio Negro. São cerca de 750 aldeias, contando com 35 mil índios, sendo 10% da população indígena do Brasil, pertencentes a 22 grupos étnicos diferentes, representantes das famílias Tukano, Aruak e Maku.



Existe também convênios da FOIRN com o ISA e com o IPHAN, tratando de patrimônio material e imaterial. Parece que estes convênios estão indo bem por aqui.
Conhecemos também uma maloca de reuniões e festejos. Tem telhado de piaçava e paredes e uma decoração com alguns objetos de etnias que compõe a Fundação. Conta também com uma exposição fotográfica.
Ganhamos um mapa contendo a abrangência da Fundação e dois vídeos institucionais. Um deles já assistimos com dom Edson, o que, aliás, motivou nossa ida até lá.
Mas apesar disso, encontramos alguns indígenas em galpões com pouca ou nenhuma higiene as margens do rio e da cidade, fora aqueles acampados nas pedras.




A realidade também se mostra diferente daquilo que já li a respeito dos povos indígenas do Brasil. A grande maioria de indígenas ou descendentes que vimos tem uma atitude submissa, sorrindo muito e baixando os olhos enquanto falam contigo.
Dom Edson alcançou um livro sobre a Lenda da Grande Cobra (que trata do surgimento dos povos indígenas) escrito em tukano. Conversamos então com Sérgio, Tukano e com João Nilton, Tariána, do tronco linguístico Aruák. João é formado em Filosofia e este ano iniciará estudos em Teologia e, Sérgio, também formado em Filosofia, já cursando o terceiro ano de Teologia, traduziram o texto para nós. Conversamos também sobre mitos e crenças.

João e Sérgio

Chego a conclusão que o cristianismo, para os indígenas não é o mesmo que para os brancos. A crença é diferente, o ritual da missa e da reza é o mesmo, mas para os indígenas, mesmo que alguns não tenham consciência, sua fé é diferente. As culturas indígenas ainda estão presentes no subconsciente das pessoas e muitas vezes de forma clara como a crença no pajé.
Pergunto-me porque a missa, nesta região, não pode ser celebrada com beju e vinho de açaí ao invés da hóstia e do vinho? Se o caso é benzer, então benze-se. Como fica o sincretismo religioso? E aqueles que querem continuar apenas com suas crenças indígenas?
Hoje, no café da manhã, também houve uma conversa bem interessante com o padre Osvaldo, paranaense responsável pela catedral. A conversa surgiu desta visão que coloquei sobre este sentimento de inferioridade que reparo nas pessoas daqui. Padre Osvaldo, muito crítico e de bom papo coloca algo que vi acontecer no Movimento Negro em Porto Alegre: conhecer o passado, aprender com ele, viver no presente e projetar o futuro. O que fazer com o que temos hoje. No passado houveram matanças e destruição de culturas. Mas e hoje? Para além das críticas que muitos fazem do passado, estes mesmos, segundo padre Osvaldo, estudam de forma superficial as culturas, exploram-nas, tratam os indígenas como previsto na Constituição anterior a de 1988, ou seja, como menores, pobrezinhos, sem condições de serem igualados aos brancos, seja nos direitos assim como nos deveres, tutelando ainda esta parcela da população.


Um dia em São Grabriel da Cachoeira








Estamos seguindo os conselhos de amigos. Paramos um pouco de andanças maiores, estamos dormindo mais e nos alimentando bem – quer dizer, eu, porque meu querido sobrinho já estava dormindo bem, tinha que ser acordado. E também, que oxalá lhe conserve os dentes, como come!

3 comentários:

  1. "Até espinafre o João Pedro come", já dizia o vô Percio orgulhoso, aos dois anos desta peça...
    Adorei as notícias e informações daí. beijos

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  2. Maluzinha, tenho acompanhado a viagem de vocês cada vez que venho a Poa, fico deslumbrada com as fotos e os relatos, mas termino ficando sem palavras e não mandei nem um "oizinho"... Aqui vai um abraço sacudidinho então! Todos nós já estamos com saudades do Rio Negro e de SGC, imagino o João Pedro. Que ele aproveite bem esses últimos diazinhos e boa viagem de volta!
    Tu, mulher, aproveita muuuuuuuuito!!! Ainda tem 27 dias de férias! Te "perde" por ai que a gente segue te acompanhando!!!
    Mil bjoks! Adri

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  3. Tenho acompanhado tuas aventuras sempre que vaga um lugarzinho aqui no computador, sabe que a concorrência é grande... E aí, já estás falando fluente alguma das línguas indígenas? Vais nos dar aulas logo logo... Beijos
    aline

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