sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Uma separação

29 de Janeiro


Pois é, amanhã parto para Belém do Pará e João Pedro permanece em Manaus até terça e parte para POA.
Vou novamanente de rede, quatro dias até lá.
João Pedro parte de avião.
Vou pro Pará pq "mandaram" eu permanecer na "civilização", então Tabatinga fica pra uma próxima.
Agora vou, pelo menos de quase ponta a ponta do Brasil.
Então, de agora em diante verão postagens do João Pedro, de um lugar, e minha, de outro.
Mas, no final de fevereiro nos entraremos novamente.
Nos acompanhem...

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

SGC, A Cidade mais Indígena do Brasil


23 a27 de Janeiro



Isso é que é preguiça! Cinco dias em uma só postagem...
Descansamos. E muito! Sabem como é, cidade do interior, fim de semana... Lemos, escrevemos, ficamos de banda.
Mas também realizamos algumas atividades.
Tem chovido muito durante a noite, o som forte parece até uma cachoeira, amanhece nublado e a temperatura está mais amena. Dizem que estão começando as chuvas na região e que nunca haviam visto uma seca tão grande. Isso tudo dá um grande prejuízo por aqui. Toda a população depende do rio como meio de transporte. Se tem seca, os preços sobem e chega a faltar alimentos e outros itens pois os barcos mais carregados acabam por não conseguir passar.
Aqui, dizem, é o fim do mundo. É isolado, ainda mais na seca. A internet não é muito rápida, isso quando não cai. Alguns telefones públicos deixam de funcionar de uma hora pra outra, depois volta. Jornal, só de uma semana atrás. Sobra a TV (a globo pega tri bem) e a radio. Imagine isso tudo há uns cinco anos atrás...
Agora imaginem como estamos nos sentindo...
Na cidade, o principal meio de transporte urbano por aqui é o pé. Caminha-se para tudo, pois tudo é relativamente perto – pra nós que estamos de férias, quem está trabalhando e depende de horário, neste calorão danado em pleno “inverno”, as coisas não devem ser tão próximas assim.













Outro meio de transporte muito utilizado é a moto, tem de tudo um pouco, até lambreta. Tem, é claro, o carro, mas principalmente a camionete. O pessoal daqui gosta muito de andar sentado nas laterais da caçamba quando está aberta. Tem o taxi lotação, ônibus para trabalhadores. E é claro, canoa, rabeta (canoa motorizada), bongo (rabeta com telhadinho), lancha, barco, balsa e tudo mais que anda na água – é muito nome de barco...
Cachoeira aqui são horizontais. Na verdade são corredeiras no meio do rio. A água passa, com força, entre as grandes pedras, tornando o rio muito perigoso para quem não conhece. Agora, na seca, as cachoeiras são bonitas, quem dirá no período da cheia.
Em SGC encontram-se vários morros. Subimos em dois: o da Fortaleza e o da Esperança.
O Morro da Fortaleza, formado por um único bloco de rocha, recebeu este nome porque lá havia um forte para proteger a região. Depois foi abandonado e, o que dele sobrou, os padres se encarregaram de levar pedra por pedra para formar os alicerces da catedral da cidade. Ou seja, não sobrou nenhum vestígio do forte.








O Morro da Esperança fica próximo ao cemitério e lá está a antena de TV. Na trilha encontramos altares da Via Sacra e, no cume do morro, além da antena, um altar.







Tanto num como noutro a vista é muito bonita. Nos dois é possível avistar partes da cidade, o Rio Negro e, no da Fortaleza, um pequeno porto.
Visitamos também a sede da FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Conversamos com Edwaldo, um dos diretores. É uma diretoria colegiada, são cinco diretores eleitos, cada um representando uma das regiões que compõe a federação. A FOIRN conta com alguns departamentos. Conhecemos o da Juventude, das Mulheres, da Comunicação, da Formação e da Educação.


O pessoal parece ser bem combativo aqui. Todos são indígenas, defendendo os interesses indígenas. Já houve a destituição de um dos diretores em outra ocasião pois ele se aproximou demais dos interesses da FUNAI, que não são necessariamente os interesses dos indígenas.
A Fundação foi criada em 1987 e compõe-se de 70 organizações de base, que representam as comunidades indígenas distribuídas ao longo dos principais rios formadores da Bacia do Rio Negro. São cerca de 750 aldeias, contando com 35 mil índios, sendo 10% da população indígena do Brasil, pertencentes a 22 grupos étnicos diferentes, representantes das famílias Tukano, Aruak e Maku.



Existe também convênios da FOIRN com o ISA e com o IPHAN, tratando de patrimônio material e imaterial. Parece que estes convênios estão indo bem por aqui.
Conhecemos também uma maloca de reuniões e festejos. Tem telhado de piaçava e paredes e uma decoração com alguns objetos de etnias que compõe a Fundação. Conta também com uma exposição fotográfica.
Ganhamos um mapa contendo a abrangência da Fundação e dois vídeos institucionais. Um deles já assistimos com dom Edson, o que, aliás, motivou nossa ida até lá.
Mas apesar disso, encontramos alguns indígenas em galpões com pouca ou nenhuma higiene as margens do rio e da cidade, fora aqueles acampados nas pedras.




A realidade também se mostra diferente daquilo que já li a respeito dos povos indígenas do Brasil. A grande maioria de indígenas ou descendentes que vimos tem uma atitude submissa, sorrindo muito e baixando os olhos enquanto falam contigo.
Dom Edson alcançou um livro sobre a Lenda da Grande Cobra (que trata do surgimento dos povos indígenas) escrito em tukano. Conversamos então com Sérgio, Tukano e com João Nilton, Tariána, do tronco linguístico Aruák. João é formado em Filosofia e este ano iniciará estudos em Teologia e, Sérgio, também formado em Filosofia, já cursando o terceiro ano de Teologia, traduziram o texto para nós. Conversamos também sobre mitos e crenças.

João e Sérgio

Chego a conclusão que o cristianismo, para os indígenas não é o mesmo que para os brancos. A crença é diferente, o ritual da missa e da reza é o mesmo, mas para os indígenas, mesmo que alguns não tenham consciência, sua fé é diferente. As culturas indígenas ainda estão presentes no subconsciente das pessoas e muitas vezes de forma clara como a crença no pajé.
Pergunto-me porque a missa, nesta região, não pode ser celebrada com beju e vinho de açaí ao invés da hóstia e do vinho? Se o caso é benzer, então benze-se. Como fica o sincretismo religioso? E aqueles que querem continuar apenas com suas crenças indígenas?
Hoje, no café da manhã, também houve uma conversa bem interessante com o padre Osvaldo, paranaense responsável pela catedral. A conversa surgiu desta visão que coloquei sobre este sentimento de inferioridade que reparo nas pessoas daqui. Padre Osvaldo, muito crítico e de bom papo coloca algo que vi acontecer no Movimento Negro em Porto Alegre: conhecer o passado, aprender com ele, viver no presente e projetar o futuro. O que fazer com o que temos hoje. No passado houveram matanças e destruição de culturas. Mas e hoje? Para além das críticas que muitos fazem do passado, estes mesmos, segundo padre Osvaldo, estudam de forma superficial as culturas, exploram-nas, tratam os indígenas como previsto na Constituição anterior a de 1988, ou seja, como menores, pobrezinhos, sem condições de serem igualados aos brancos, seja nos direitos assim como nos deveres, tutelando ainda esta parcela da população.


Um dia em São Grabriel da Cachoeira








Estamos seguindo os conselhos de amigos. Paramos um pouco de andanças maiores, estamos dormindo mais e nos alimentando bem – quer dizer, eu, porque meu querido sobrinho já estava dormindo bem, tinha que ser acordado. E também, que oxalá lhe conserve os dentes, como come!

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Dias em São Gabriel da Cachoeira

Dia 20 de janeiro – quarta


Agora em São Gabriel da Cachoeira




Chegamos por volta das 12h, desembarcamos numa balsa, pois não havia espaço para o barco. Aqui, em período de seca, existe dia e hora pra partir, mas não pra chegar. Sendo assim, ninguém nos esperava. Nem o espaço no porto, nem taxi lotação, só os mosquitos. Aliás, eles estavam ansiosos por carne nova no pedaço. No caso, nós.

Mas somos hiper prevenidos, eu e João Pedro. Sacamos nossos repelentes que estavam estrategicamente acondicionados. Nos lambuzamos e emprestamos para nossos parceiros de rede.

Isso tudo depois de descermos na rampa, da balsa para a terra, literalmente – terra, chão batido, as vezes nem tanto, tipo terra solta, formando bolinhas e pedregulhos. E nós, com aquelas mochilinhas e aqueles bichinhos voadores nos aguardando...

Subimos morro adentro até chegar no ponto. Só quem é da terra sabe que lá é o ponto do taxi lotação. Este transporte urbano funciona da seguinte maneira: do porto para a cidade, custa em torno de 40; dentro da cidade, corrida pouca ou longa, 2,00 por pessoa ou 2,50 a partir das 22h.


Como não sabiam de nossa chegada, ficamos lá, esperando. Ficamos quatro dias no barco, porque não quatro horas agora?

O porto em si não é grande coisa, mas a vista é belíssima. Em frente, pra além das enormes pedras no rio, avistamos um grande prédio onde funciona uma escola para as comunidades do outro lado do rio.

Como as notícias correm rápido numa cidade pequena, nosso transporte chega e andamos 22 km até o centro da cidade. O asfalto é novinho em folha. Passamos por várias placas dando boas vindas à cidade. Todas são de igrejas (todas que pode-se imaginar, uma atrás da outra), fundações e exército.

Passamos por diversas terras indígenas e por terras das forças armadas: aeronáutica,infantaria, exercito, vila militar. Chegamos a uma bifurcação, à direita vai para Cucuí, Colômbia, estrada de chão batido. O motorista faz um comentário: - terra da cocaína, das Farc... Evitamos continuar o assunto...

Deixamos para trás a sede da ABB e o cemitério.

Chegamos, finalmente à Diocese. Fomos recebidos pela Sra Maria Gorete e pela Rosa que nos levaram ao dom Edson, bispo de SGC e nosso anfitrião.

É claro que antes de vir para cá informamos dom Edson sobre nossa opção não religiosa, ou seja, dois ateus chegando. Fomos super bem recebidos.

Imaginem só nossa satisfação: banheiro com pia! Não é o máximo? Quarto com camas. Armário, mesa. Uau!!


Depois de nos instalarmos saímos para conhecer a cidade, passamos pelas ruas do poder legislativo e judiciário, bem como as sedes de vários órgãos das forças armadas. Todos com uma vista privilegiada da praia.
Encontramos também a sede do ISA, Instituto Sócio Ambiental aqui em SGC. Ali tem um tele centro e fica bem pertinho da Diocese. Como tudo por aqui, funciona das8 horas às 11:30 e das 14 horas às 17:30, o comércio tem 30 minutos a mais, pela manhã e pela tarde.

Conheci este Instituto em 2003, quando comecei um estudo mais aprofundado dos povos indígenas do Brasil e construí o site “Almanaque Indígena do Brasil – Hoje!” com meus alunos. Pra que quiser acessá-lo, tem um linque aí, na faixa da direita do blog.




À noite fomos até a Festa de São Sebastião a convite de dom Edson. No último dia das comemorações, hoje no caso, é celebrada uma missa e, após uma confraternização. Cada um trás um prato. É servido vinho de pupunha (fruta) e mujeca (peixe, goma de macaxeira, pimenta, tucupí e água). Nestas festas religiosas não é servido bebidas alcoólicas já há algum tempo. Segundo dom Edson e demais padres presentes na ocasião, a experiência de quando chegaram aqui não foi nada boa. A juíza da cidade também concorda. “O álcool é um veneno para os indígenas” dizem os que trabalham diretamente com eles. A grande maioria dos crimes cometidos aqui em SGC é em decorrência da bebida. “Não sabem a hora de parar, bebem até cair”. Na verdade, o álcool não faz parte do cotidiano indígena. As bebidas fermentadas eram usadas para rituais. Lá em Porto Alegre presenciamos algo parecido nas reservas kaingang e guarani. Creio que seria interessante um estudo sobre esta questão, deve existir algum.

Tudo bem, já no primeiro dia em São Gabriel e já fomos à missa! Dois ateus. Mas fizemos questão de ir até porque isso faz parte da vida aqui. E lá nos demos conta daquilo que dom Edson nos falava, todos são indígenas. Com exceção dos padres, freiras, altos cargos do exército e turistas. O povo é indígena. E no momento, o prefeito e vice-prefeito também são indígenas e petistas.

A missa estava lotada, muita gente do lado de fora, João Pedro e eu éramos a minoria. Éramos os não indígenas, se fosse dizer isso em guarani, seríamos os giruás (aquele que não é índio, que não faz parte).


Depois da missa veio a procissão com velas pelas ruas do bairro. Os padres Jorge, pároco da igreja de São Sebastião e Geraldo acompanhavam dom Edson. Padre Bruno, italiano que veio de Manaus ficou conosco no meio do povo. Também estavam presentes a freira salesiana Anunciata e a irmã Lourdes. Todos eles tem muita presença de espírito, são brincalhões e engraçados. Companhia agradável.

Os cumprimentos são em nheengatu, Língua Geral, falada por muitos por aqui:

Puranga Pituna, boa noite. Puranga, boa, é a resposta.

Anhu ti, como vai? Anhu, bem.

Puranga Pesika, seja bem vindo, bem chegado.



Dia 21 de janeiro – quinta



Levantamos cedo, tomamos café e novamente acompanhamos dom Edson e padre Bruno. Pegamos uma rabeta (canoa motorizada) para ir até uma comunidade indígena na beira do rio Negro, Comunidade de São Sebastião. Por aqui, muitas comunidades tem nomes de santos ou algo ligada a bíblia. No caso desta, é claro que fazia parte das comemorações do momento.

No trajeto passamos pelos bongos, que seria uma rabeta coberta com palha ou lona. Cruzamos com os morros Curi Curiarí e pelo conjunto de montanhas conhecidos pelo nome de “A bela adormecida”. Deixamos para trás as barracas de lona azul, armadas com estacas de madeira sobre as pedras no meio do rio. Durante o período da seca é a moradia dos pobres que vem para a cidade.

Imaginem só, quando saímos do banho já estamos encharcados de suor, é necessário mais de um banho por dia. E estas pessoas acampadas sobre as pedras quentes, duras.


Vemos muitas crianças brincando e se banhando no rio, dizem por aqui que se aprende a nadar antes de caminhar.

Neste dia, dom Edson irá ouvir as pessoas, fará batizados e crisma. Se houvesse casamentos, seriam todos realizados numa única cerimônia. Esta é a primeira vez que o bispo visita esta comunidade, daí a grande preparação que realizaram para recebê-lo.

Estavam todos no alto da escadaria de areia, pedra e madeira, a espera de nosso barco. Ao subirmos, as pessoas da comunidade desciam. Estendiam a mão e cumprimentavam com entusiasmo: bom dia! De início pensamos que apenas as lideranças fariam os cumprimentos. Nada disso. Todos estendiam as mãos, inclusive as crianças.


Nesta comunidade que, antes de ser São Sebastião era Ponta de Matupi, encontram-se várias etnias misturadas. Nas escolas das comunidades são ensinados as línguas oficiais: o português, e uma língua indígena, que pode ser banwia, tucano, geral ou outra, dependendo da etnia dos alunos. Para isso, criaram escolas diferenciadas para preservar o povo em seu lugar, valorizando a cultura local. Algumas famílias saem em busca de algo novo na cidade, mas a maioria retorna pois não encontra um meio de subsistência e o destino de quem permanece são as barracas de lona azul.

Nos serviram uma merenda com beiju, vinho de açaí, farinha e banana e apresentaram um cartaz de boas vindas ao dom Edson:

Yandé

Yarikú

Yepé Bispo

Purãga

Reta

ou seja: Nós temos um bispo muito bom.


Enquanto aconteciam as confissões, João Pedro, padre Bruno e eu fomos conhecer algumas árvores e frutos da região. Denis, da etnia tucano nos acompanhou.

Vimos o Açaí, palmeira com tronco fininho, com frutos em rama; o Cupuaçu, árvore com folhas largas, fruto comprido e a única que deve-se deixar o fruto cair de maduro, não se colhe diretamente da árvore; o Cupuí, este se colhe, é da família do cupuaçu. Aliás, o sufixo açu é um aumentativo e uí ou i, diminutivo. Também vimos o Buriti, uma palmeira de maior porte, comfrutos em ramo; Umari, com seu fruto alaranjado; Yapixuna,fruto doce, verde que torna-se preto quando está maduro, come-se com casca, seu formato lembra uma azeitona; Taperebá/ajá, árvore espinhenta com fruto agridoce e Jambeiro com muitas formigas, entre outras árvores.


Conhecemos a Cléia que nasceu aqui, saiu para estudar e retornou para lecionar. Agora ela coordena diversas comunidades na parte de educação infantil. “Aprende-se junto com os pais, alunos e outros professores mais jovens, pois muitos ainda não sabem o ensino do nheengatu, que agora tornou-se obrigatório.” Diz Cléia. Ela e Denis colocam que muitas comunidades não aceitam o ensino de suas línguas tradicionais nas escolas pois veem isto como um retrocesso ao uso de tangas e ocas.

Na verdade, isto só demonstra o quanto falta uma visão política de sua própria história e de suas lutas. Muitas das terras indígenas já foram loteadas, as estradas estão ficando próximas valorizando-as ainda mais e aguçando os olhos dos não indígenas.


Depois desse papo cabeça fomos até a prainha tomar um banho porque ninguém é de ferro. Entramos no rio, quer dizer, João Pedro e padre Bruno. Eu fiquei, no máximo, com água pelo peito. Uma delícia, apesar da correnteza. Água escura, da cor do chá de mate, morna com correntes mais frias, areia branca e muitas pedras. Um verdadeiro paraíso!
13 horas, almoço. Vários pratos, muitos pratos. Cada um trouxe de sua casa, panelas com panos brancos por cima. Comemos em tijelas, tipo cumbucas de vidro e prato fundo. Talher é colher. A mesma colher que comemos é a que servimos ou colocamos no pote de pimenta. Almoçamos em pé, ao redor da mesa da cozinha – uma peça separada da casa comunitária apenas por meia parede. O almoço foi em partes: na primeira leva estava o bispo, padre Bruno, os crismados, os pais dos batizados e nós dois. O restante da comunidade espera sentado, conversando e assistindo nossa farta refeição. Entregamos os pratos, que são lavados, a mesa reposta com os mesmos alimentos e entra a segunda leva de almoço. Agora são os padrinhos e parentes visitantes. Desta vez, somos nós que sentamos e assistimos a segunda refeição. Por último, pratos limpos, nova mesa, os moradores da comunidade que esperaram pacientemente sua vez, satisfeitos de ver os demais bem servidos.
Aqui, todos cumprimentam quem chega, não apenas as lideranças ou os mais velhos. Todos estendem a mão e dizem bom dia, boa tarde, Purãga Pesika.



Dia 22 de janeiro – sexta


10 horas - Acordamos tarde, ficamos sem café. Aliás, desde que chegamos ao Amazonas temos dormido pouco, devido ao barulho do hostel ou da tripulação do barco. O fato é que o sono estava atrasado.

Fomos até o centro (algumas quadras da Diocese) e num pequeno centro comercial compramos as passagens de volta à Manaus. Iremos na próxima quinta, 28/01, com um pequeno avião de 40 lugares, da agência Trip, Também providenciamos a passagem do João Pedro para retornar à POA no dia 02/02, terça, pela TAM. Sendo assim, ficaremos alguns dias em Manaus. Eu acho que vou para o Pará, ver a Pororoca e depois a Ilha de Marajó ou então para Tabatinga, lá no começo do rio Solimões, divisa com a cidade de Letícia, no Peru. Quem tiver outra sugestão favor enviar porque vou para onde o vento soprar...

Por aqui não se come muito peixe. O rio Negro é muito pobre para a pesca, dizem. Come-se galinha, carne, feijão marrom, banana, farinha, muita farinha.

Chegou à Diocese o sr Roberto, sua função é reconhecer o terreno para implantar aqui um centro de combate ao alcoolismo e outras drogas, principalmente entre os indígenas. Este centro pretende realizar tratamentos leves e intensivos. Segundo levantamentos, quando começam a beber, não param mais, só quando caem. O índice de criminalidade devido ao álcool aumenta a cada dia. Nas festas religiosas, já há algum tempo, foi proibida a presença de bebidas alcoólicas.

Animais do Amazonas. Na falta de outros já vimos galinhas ciscando por ai, cusco perdido pela cidade, quati na comunidade de São Sebastião, baratas e morcegos em nosso banheiro na Diocese (é um prédio muito antigo e algumas partes estão em obras). Mosquitos... Alguns são bem peçonhentos, não?

À noite fomos até a inauguração do Instituto Chico Mendes aqui em SGC. A sede fica ao lado do ISA. Um grupo Yanomami se apresentou com uma dança da floresta para espantar os espíritos ruins.

Depois foi a vez da Associação Cultural dos Agricultores do Alto Rio Negro. São índios de várias etnias e caboclos.
Por último, o coral da cidade passou a animar a festa. Serviram bolo com merengue verde representando o Pico da Neblina. A comemoração ocorreu em função do aniversário de 30 anos do Parque Nacional, Reserva Ambiental do Pico da Neblina. Houve um pequeno desentendimento entre os Yanomamis e os representantes do Ministério do Meio Ambiente e exército. Os Yanomamis queriam que o MAM assinasse um termo que autorizasse o turismo em suas terras. O MAM discordou porque a reserva está dentro do Parque Nacional que pretende preservar a área, o exército concorda. Mas a questão principal é que entre os turistas (necessidade de infraestrutura, como o recolhimento de lixo e aberturas de trilhas no parque, entre outros) e os indígenas, existem os atravessadores/aproveitadores – agências de turismo - que ficariam com uma bela parte do que eles arrecadariam.

Os Yanomamis não aceitam os cuidados que o MAM coloca.

E agora? O relato é do ouvimos, quem está com a razão?

Como preservar culturas indígenas dentro deste sistema perverso que vivemos?