

Dia 20 de janeiro – quarta
Agora em São Gabriel da Cachoeira
Chegamos por volta das 12h, desembarcamos numa balsa, pois não havia espaço para o barco. Aqui, em período de seca, existe dia e hora pra partir, mas não pra chegar. Sendo assim, ninguém nos esperava. Nem o espaço no porto, nem taxi lotação, só os mosquitos. Aliás, eles estavam ansiosos por carne nova no pedaço. No caso, nós.
Mas somos hiper prevenidos, eu e João Pedro. Sacamos nossos repelentes que estavam estrategicamente acondicionados. Nos lambuzamos e emprestamos para nossos parceiros de rede.
Subimos morro adentro até chegar no ponto. Só quem é da terra sabe que lá é o ponto do taxi lotação. Este transporte urbano funciona da seguinte maneira: do porto para a cidade, custa em torno de 40; dentro da cidade, corrida pouca ou longa, 2,00 por pessoa ou 2,50 a partir das 22h.
Como não sabiam de nossa chegada, ficamos lá, esperando. Ficamos quatro dias no barco, porque não quatro horas agora?
O porto em si não é grande coisa, mas a vista é belíssima. Em frente, pra além das enormes pedras no rio, avistamos um grande prédio onde funciona uma escola para as comunidades do outro lado do rio.
Como as notícias correm rápido numa cidade pequena, nosso transporte chega e andamos 22 km até o centro da cidade. O asfalto é novinho em folha. Passamos por várias placas dando boas vindas à cidade. Todas são de igrejas (todas que pode-se imaginar, uma atrás da outra), fundações e exército.
Passamos por diversas terras indígenas e por terras das forças armadas: aeronáutica,infantaria, exercito, vila militar. Chegamos a uma bifurcação, à direita vai para Cucuí, Colômbia, estrada de chão batido. O motorista faz um comentário: - terra da cocaína, das Farc... Evitamos continuar o assunto...
Deixamos para trás a sede da ABB e o cemitério.
Chegamos, finalmente à Diocese. Fomos recebidos pela Sra Maria Gorete e pela Rosa que nos levaram ao dom Edson, bispo de SGC e nosso anfitrião.
É claro que antes de vir para cá informamos dom Edson sobre nossa opção não religiosa, ou seja, dois ateus chegando. Fomos super bem recebidos.
Imaginem só nossa satisfação: banheiro com pia! Não é o máximo? Quarto com camas. Armário, mesa. Uau!!
Conheci este Instituto em 2003, quando comecei um estudo mais aprofundado dos povos indígenas do Brasil e construí o site “Almanaque Indígena do Brasil – Hoje!” com meus alunos. Pra que quiser acessá-lo, tem um linque aí, na faixa da direita do blog.
Tudo bem, já no primeiro dia em São Gabriel e já fomos à missa! Dois ateus. Mas fizemos questão de ir até porque isso faz parte da vida aqui. E lá nos demos conta daquilo que dom Edson nos falava, todos são indígenas. Com exceção dos padres, freiras, altos cargos do exército e turistas. O povo é indígena. E no momento, o prefeito e vice-prefeito também são indígenas e petistas.
A missa estava lotada, muita gente do lado de fora, João Pedro e eu éramos a minoria. Éramos os não indígenas, se fosse dizer isso em guarani, seríamos os giruás (aquele que não é índio, que não faz parte).
Os cumprimentos são em nheengatu, Língua Geral, falada por muitos por aqui:
Puranga Pituna, boa noite. Puranga, boa, é a resposta.
Anhu ti, como vai? Anhu, bem.
Puranga Pesika, seja bem vindo, bem chegado.
Dia 21 de janeiro – quinta
Levantamos cedo, tomamos café e novamente acompanhamos dom Edson e padre Bruno. Pegamos uma rabeta (canoa motorizada) para ir até uma comunidade indígena na beira do rio Negro, Comunidade de São Sebastião. Por aqui, muitas comunidades tem nomes de santos ou algo ligada a bíblia. No caso desta, é claro que fazia parte das comemorações do momento.
No trajeto passamos pelos bongos, que seria uma rabeta coberta com palha ou lona. Cruzamos com os morros Curi Curiarí e pelo conjunto de montanhas conhecidos pelo nome de “A bela adormecida”. Deixamos para trás as barracas de lona azul, armadas com estacas de madeira sobre as pedras no meio do rio. Durante o período da seca é a moradia dos pobres que vem para a cidade.
Imaginem só, quando saímos do banho já estamos encharcados de suor, é necessário mais de um banho por dia. E estas pessoas acampadas sobre as pedras quentes, duras.
Neste dia, dom Edson irá ouvir as pessoas, fará batizados e crisma. Se houvesse casamentos, seriam todos realizados numa única cerimônia. Esta é a primeira vez que o bispo visita esta comunidade, daí a grande preparação que realizaram para recebê-lo.
Estavam todos no alto da escadaria de areia, pedra e madeira, a espera de nosso barco. Ao subirmos, as pessoas da comunidade desciam. Estendiam a mão e cumprimentavam com entusiasmo: bom dia! De início pensamos que apenas as lideranças fariam os cumprimentos. Nada disso. Todos estendiam as mãos, inclusive as crianças.
Nos serviram uma merenda com beiju, vinho de açaí, farinha e banana e apresentaram um cartaz de boas vindas ao dom Edson:
Yandé
Yarikú
Yepé Bispo
Purãga
Reta
ou seja: Nós temos um bispo muito bom.
Vimos o Açaí, palmeira com tronco fininho, com frutos em rama; o Cupuaçu, árvore com folhas largas, fruto comprido e a única que deve-se deixar o fruto cair de maduro, não se colhe diretamente da árvore; o Cupuí, este se colhe, é da família do cupuaçu. Aliás, o sufixo açu é um aumentativo e uí ou i, diminutivo. Também vimos o Buriti, uma palmeira de maior porte, comfrutos em ramo; Umari, com seu fruto alaranjado; Yapixuna,fruto doce, verde que torna-se preto quando está maduro, come-se com casca, seu formato lembra uma azeitona; Taperebá/ajá, árvore espinhenta com fruto agridoce e Jambeiro com muitas formigas, entre outras árvores.
Na verdade, isto só demonstra o quanto falta uma visão política de sua própria história e de suas lutas. Muitas das terras indígenas já foram loteadas, as estradas estão ficando próximas valorizando-as ainda mais e aguçando os olhos dos não indígenas.
Dia 22 de janeiro – sexta
10 horas - Acordamos tarde, ficamos sem café. Aliás, desde que chegamos ao Amazonas temos dormido pouco, devido ao barulho do hostel ou da tripulação do barco. O fato é que o sono estava atrasado.
Fomos até o centro (algumas quadras da Diocese) e num pequeno centro comercial compramos as passagens de volta à Manaus. Iremos na próxima quinta, 28/01, com um pequeno avião de 40 lugares, da agência Trip, Também providenciamos a passagem do João Pedro para retornar à POA no dia 02/02, terça, pela TAM. Sendo assim, ficaremos alguns dias em Manaus. Eu acho que vou para o Pará, ver a Pororoca e depois a Ilha de Marajó ou então para Tabatinga, lá no começo do rio Solimões, divisa com a cidade de Letícia, no Peru. Quem tiver outra sugestão favor enviar porque vou para onde o vento soprar...
Por aqui não se come muito peixe. O rio Negro é muito pobre para a pesca, dizem. Come-se galinha, carne, feijão marrom, banana, farinha, muita farinha.
Animais do Amazonas. Na falta de outros já vimos galinhas ciscando por ai, cusco perdido pela cidade, quati na comunidade de São Sebastião, baratas e morcegos em nosso banheiro na Diocese (é um prédio muito antigo e algumas partes estão em obras). Mosquitos... Alguns são bem peçonhentos, não?
Depois foi a vez da Associação Cultural dos Agricultores do Alto Rio Negro. São índios de várias etnias e caboclos.
Por último, o coral da cidade passou a animar a festa. Serviram bolo com merengue verde representando o Pico da Neblina. A comemoração ocorreu em função do aniversário de 30 anos do Parque Nacional, Reserva Ambiental do Pico da Neblina. Houve um pequeno desentendimento entre os Yanomamis e os representantes do Ministério do Meio Ambiente e exército. Os Yanomamis queriam que o MAM assinasse um termo que autorizasse o turismo em suas terras. O MAM discordou porque a reserva está dentro do Parque Nacional que pretende preservar a área, o exército concorda. Mas a questão principal é que entre os turistas (necessidade de infraestrutura, como o recolhimento de lixo e aberturas de trilhas no parque, entre outros) e os indígenas, existem os atravessadores/aproveitadores – agências de turismo - que ficariam com uma bela parte do que eles arrecadariam.
E agora? O relato é do ouvimos, quem está com a razão?
Como preservar culturas indígenas dentro deste sistema perverso que vivemos?